Livros

Paralelepípedos da Vila Mimosa, Os

Os contos do livro nasceram das observações do autor de pessoas que se entregaram à degradação nos recantos decadentes do Rio de Janeiro

– 14/03/2010

OS PARALELEPÍPEDOS DA VILA MIMOSA
Alexandre Coslei
114 páginas
Multifoco, 2009
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Deus converte, mas o Diabo seduz!…

Assim termina – com o “D” maiúsculo, exclamação e reticências – um dos mais de vinte contos de Os parelelepípedos da Vila Mimosa. Outro, exatamente o que empresta o título à obra, preconiza já na segunda linha: “A decadência não é uma opção voluntária, é um desencontro íntimo, profundo e nebuloso. Decair é enredar-se num casulo.”

Das tantas e tantas frases espetaculares lidas entre as páginas do livro, destaquei essas duas por uma só razão: é disso que tratam os personagens de Coslei. São mendigos, funcionários públicos, contadores, prostitutas, enfim, pessoas como todos nós, em qualquer cidade – apesar de o Rio de Janeiro ser cuidadosamente exaltado e descrito –, que mostram nossa face perturbadora, nosso lado mais soturno.

Vagando pela zona do meretrício e pelas pessoas que compõem esse mundo a parte, alguns textos causam apreensão, um certo dissabor. Talvez por mostrarem de forma tão crua do que somos capazes. Ou, tão grave quanto, não somos!

Há um elemento que se desenvolve durante toda a obra, não ao acaso. O espelho. Certamente é a figura mais constante. Nele, os personagens não se reconhecem, veem-se primitivos, ficam fascinados e orgulhosos ou agem como se investigassem algo. Sabendo que a única função, digamos, “básica” de um espelho é refletir nossa própria imagem, não é difícil concluir que é exatamente disso que os textos tratam: de nós mesmos, visto por um prisma intimista e peculiar, gerando aquilo que a literatura deveria sempre proporcionar: catarse.

Ainda há outros diversos aspectos a serem considerados. A surpresa, não aquela técnica condenada ao fracasso da coisa gratuita e desnecessária, como ficarmos escondidos atrás de uma porta para fazermos “buuu” a quem passa, mas a que dá vida, consistência e razão à história, que acontece de maneira espetacular e vai sendo desvelada aos poucos, com talento e precisão. O melhor exemplo pode ser lido no conto-título. Outro fator a ser considerado são as narrativas, feitas em primeira e terceira pessoa de maneira tranquila e consistente. Como narrador temos inclusive um livro, isto mesmo, um livro, contanto uma história, que não a dele.

Já que não vou conseguir ser breve como gostaria, aproveito para chamar a atenção para mais um detalhe extremamente importante que é a roupa, o traje, a vestimenta de tantas e tantas vidas retratadas na obra, que nada mais é do que a linguagem. Bela, elegante, correta e generosa. Traje de gala.

Poderia falar de tantas outras peculiaridades, como a riqueza psicológica das personagens, ou ainda citar os textos de que mais gostei – como “O homem que não existiu”, por exemplo – ou títulos, como o citado há pouco, mas, ao invés disso tudo, somente mais três detalhes. Primeiro, o livro é imperdível. Segundo, uma narrativa longa deve estar chegando, sem dúvida, pois Coslei tem ainda muito o que contar. E por último, em tom de confissão, é que Vila Mimosa deve ser um local interessantíssimo. Gostaria de conhecê-lo ainda mais. Talvez em um futuro romance de Coslei.


* Beto Canales é um eterno estudante de literatura, produz contos e narrativas longas, apesar de atrever-se “cometer” crônicas no www.cinemaebobagens.blogspot.com. A universalidade de seus personagens e os lugares onde ocorrem suas histórias são marcas registradas, permitindo que aconteçam com qualquer um em qualquer parte. Cinéfilo apaixonado e assumido aprendiz de crítico de cinema, é também editor da Esquina do Escritor e do 3AM Brasil. É autor de A Vida Que Não Vivi, pela Multifoco, lançado na Bienal do Livro do Rio 2009.

Comentários (2)
  1. Onofre

    25 de abril de 2010 - 00:45

    Fantástico, certamente

  2. josé luis

    07 de novembro de 2012 - 11:18

    gostei da sinopse do livro, estou tentando comprar, mas ainda não consegui. Gosto de estórias do mundo e do submundo, principalmente estórias pica ante.

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