MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES
Memoria de mis putas tristes
Gabriel García Márquez
Tradução de Eric Nepomuceno
132 páginas
Record, 2005
Um ancião resolve que no aniversário de noventa anos vai ter com presente “uma noite de amor louco com uma adolescente virgem”. Mal sabia ele o que esse presente extravagante iria lhe aprontar.
Na noite tão aguardada e nas seguintes, o protagonista vai se limitar a contemplar o corpo nu da bela jovem adormecida e a imaginar uma vida ao lado dela. Essa experiência fará surgir um sentimento do qual o ancião sempre fugiu: o amor. “Nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, e as poucas que não eram do ofício convenci pela razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo.” Esse medo deve-se em parte a uma experiência traumática na infância do protagonista, iniciado sexualmente à força por uma prostituta.
Além disso, o ancião leva uma vida vazia, escrevendo crônicas e resenhas maçantes para El Diario de La Paz, um jornal provinciano, e dando aulas de gramática latina e castelhana. “Fui um mau professor, sem formação, sem vocação nem piedade alguma por aqueles pobres meninos que só iam à escola por ser o jeito mais fácil de escapar da tirania dos pais. A única coisa que pude fazer por eles foi mantê-los debaixo do terror de minha régua de madeira para que pelo menos levassem a lembrança do meu poema favorito”.
Mas para García Márquez, amor e vida não têm existência independente um do outro. Como que embriagado por um elixir da juventude, o sentimento pela ninfeta Delgadina, o personagem é invadido por uma grande vontade de viver. Reforma a antiga casa em que mora, expõem-se a alguns ridículos como andar de bicicleta cantando com “ares do grande Caruso” ou destruir o quarto de um bordel por ciúmes. A mudança na vida do ancião também se reflete em seus textos. “Obnubilado pela evocação inclemente de Delgadina adormecida, mudei sem a menor malícia o espírito de minhas crônicas dominicais. Fosse qual fosse o assunto as escrevia para ela, nelas ria e chorava para ela, em cada palavra se ia minha vida […], as escrevi como cartas de amor que cada um podia tornar suas.”
O autor também questiona a velhice em seu romance. Seria ela o início do fim? Vale a pena mudar, mesmo com a morte tão próxima? É possível se apaixonar tão ardentemente na velhice?
A crítica especializada coloca o romance de García Márquez na mesma tradição de Lolita, de Vladimir Nabokov, e Morte em Veneza, de Thomas Mann. Livros em que a vida dos protagonistas muda drasticamente depois que se apaixonam por alguém bem mais jovem do que eles.
A edição brasileira do livro foi muito bem cuidada pela editora. Dá gosto de manusear e folhear a publicação. A tradução de Eric Nepomuceno contribui para a boa qualidade da versão brasileira.
Além de uma bela e inteligente história de amor, o livro de García Márquez questiona a velhice e mostra que nunca é tarde para mudar e amar. Um item obrigatório para os fãs do autor e os amantes da boa literatura.
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