O FILHO ETERNO
Cristovão Tezza
224 páginas
Record, 2008
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No romance o autor fala sobre a experiência de ter um filho com síndrome de Down. Apesar de autobiográfica, a história é narrada na terceira pessoa. O narrador e o pai da criança doente não são a mesma pessoa. O primeiro não participa da narrativa, apenas mostra o que os personagens pensam e sentem. O segundo é um dos personagens principais da obra.
O livro não é um amontoado de discursos misericordiosos e politicamente corretos sobre a síndrome de Down. Tezza optou por uma abordagem original e corajosa, cruel em alguns momentos. No início, o pai sentia-se injustiçado pela natureza e desejava que o filho morresse de alguma complicação da doença, como problemas e coração.
Numa das crises, ela [a mãe da criança] lhe diz, no desespero do choro alto: Eu acabei com a tua vida. E ele não respodeu, como se concordasse – a mão que estendeu aos cabelos dela consolava o sofrimento, não a verdade dos fatos.
Filipe, o “filho eterno”, nasceu no começo da década de 1980. Naquela época, a síndrome de Down não era tão estudada e tinha uma aura de mistério.
Não há mongolóides na história, relato nenhum – são seres ausentes. Leia os diálogos de Platão, as narrativas medievais, Dom Quixote, avance para a Comédia humana de Balzac, chegue a Dostoiévski, nem este comenta, sempre atento aos humilhados e ofendidos; os mongolóides não existem. (…) Eles só surgiram no século XX, tardiamente. Em todo o Ulisses, James Joyce não fez Leopold Bloom esbarrar em nenhuma criança Down, ao longo daquelas 24 horas absolutas. Thomas Mann os ignora rotundamente. O cinema, em seus 80 anos, (…) jamais os colocou em cena. Nem vai colocá-los. Os mongolóides são seres hospitares, vivem na ante-sala dos médicos.
As visitas a clínicas e consultórios médicos, a leitura de livros sobre o mongolismo e os programas de exercícios para o filho fazem o pai revisitar o passado (a vida em comunidade na adolescência, a vida de imigrante ilegal na Alemanha, a breve carreira de relojoeiro, o fato de ser um escritor com livros de gaveta e a desejada estabilidade financeira com o cargo de professor universitário). Isso faz com que ele reflita sobre o que passou e reorganize a própria vida.
Com pequenas conquistas, como os primeiros passos e a ida à escola, Filipe vai conquistando o seu lugar de filho. O pai já não o vê mais como uma espécie de maldição, mas como alguém que precisa de carinho e cuidado. Ao falar sobre o crescimento e desenvolvimento do primogênito, o autor apresenta algumas informações sobre a síndrome de Down e mostra que, apesar de serem lentos e demorados, os avanços de Filipe são gratificantes. A paixão pelo futebol é um dos elementos cotidianos que ajuda a unir pai e filho.
Sem recorrer a fórmulas sentimentaloides e apelativas nem a discursos prontos, e com uma prosa intensa, Cristovão Tezza aborda de forma original e corajosa o velho tema da relação entre pais e filhos. Sem sobra de dúvidas, é o melhor romance publicado em 2008. Os diversos prêmios ganhos pela obra, entre os quais estão o Jabuti e o Portugal Telecom, comprovam isso.
diego
12 de maio de 2010 - 18:27
Este,sim, é outro departamento. Se deixarem, o livro ganha até a Libertadores