Livros

Desacordo ortográfico

Antologia de contos e poemas que mostra as riquezas e peculiaridades da língua portuguesa

– 18/01/2010

DESACORDO ORTOGRÁFICO
Reginaldo Pujol Filho (org.)
208 páginas
Não Editora, 2009
Comprar


A antologia organizada por Reginaldo Pujol Filho não é um manifesto contra o novo Acordo Ortográfico, mas uma exaltação à diversidade e riqueza da língua portuguesa. “Com acordo ou sem acordo, o negócio é fazer o que a gente quiser, respeitando uma só regra: a da boa literatura”, afirma o organizador do livro.

Entre textos inéditos e já publicados, vinte autores convidam o leitor para uma viagem pelos países que falam português (São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Portugal e Brasil). No cardápio estão incluídos contos, poemas e textos híbridos. São vários os temas abordados, entre os quais estão os encontros e desencontros amorosos, o cotidiano caótico do homem moderno, o desejo pelo novo e diferente, o patriotismo exagerado e as lembranças da infância.

Luis Fernando Verissimo abre a antologia com o engraçadíssimo “Mais palavreado”, uma brincadeira com as palavras e seus significados. Pantufo, rei da Cizânia, orgulha-se de sua coleção composta por todas aves do mundo que piam. Dois espertos viajantes, Metatarso e Palpos, afirmam conhecer aves raras que não estão na coleção do monarca. Em troca de uma boa recompensa, os viajantes prometem levar o rei até o local onde vivem as aves raras. As estranhas rimas com as palavras “Excelência” e “piar” e a substituição de palavras por outras com significado totalmente diferente criam o humor da narrativa. Se alguém perguntar se o “marrecão larápio” pia, responda que ele “surrupia”.

O humor também está presente no conto de Cardoso, “O mistério dos cachecóis matutinos”. Entre hipóteses absurdas e engraçadas, algumas envolvendo fadas e homossexuais cabeludos, o narrador tenta encontrar uma explicação para os estranhos fios de cabelo que aparecem enrolados na base de seu membro na hora da “mijada” matinal.

Dividido em quatro partes, a narrativa “Cuento de la mina perdida em una canción de Roy Orbison”, do cearense Xico Sá, mistura portunhol (o “jeitinho” brasileiro de falar espanhol) com gírias. Em ritmo de bolero, o narrador conta suas dores de amor e o desejo de estar ao lado da mulher amada. O amor também está presente em “Amor aos pedaços”, de Reginaldo Pujol Filho. Um rapaz tenta descobrir qual parte do corpo da amante lhe atrai mais. Ele até monta uma tabela para encontrar a resposta.

Também falando de amor, a escritora Patrícia Portela flerta com outras linguagens em seu poema (“Ópera minerália cinematográfica”). Além da foto de Albert Einstein e uma pequena animação feita com o folhear das páginas, também estão presentes conceitos de ciências como física, química e biologia e menções ao rapto que aconteceu no Teatro de Moscovo, em que rebeldes tchetchenos fizeram de reféns cerca de 700 pessoas.

O fantástico também marca presença na antologia. No texto de Altair Martins, “Enquanto água”, o protagonista passa por um estranho renascimento numa banheira cercada por gatos. Em “Mulôji a Kolombo mata”, do angolano Luandino Vieira, enquanto a mãe do protagonista queima numa fogueira por ser acusada de feitiçaria, ele enfrenta um ser mágico chamado Mulôji a Kolombo. Na narrativa de Rita Taborda Duarte, “O rapaz que não se tinha quieto”, um menino fala sobre seu imenso desejo de viajar pelo mundo e seus planos para sair dos “dois mil metros quadrados” onde mora. O garoto constrói sozinho uma gigantesca torre de granito para ver o mar. Também captura as estrelas para criar um farol. Já os habitantes da cidade do conto “Jorogina e o mar”, de Rogério Manjate, encontram no sobrenatural a explicação para o estranho e trágico destino de uma cobiçada e popular prostituta. O escritor Gonçalo M. Tavares mostra através dos “Três sonhos” do personagem Calvino como o cotidiano caótico e estressante da modernidade engole a todos como uma imensa baleia e os aliena a tal ponto que ninguém consegue enxergar os fatos incomuns e belos da vida.

Os personagens de “Oficina”, do escritor Manoel de Barros, resolvem seguir os passos do pintor cubista Picasso e mostram que a arte não tem a obrigação de reproduzir a realidade nem se prender a regras. Outro que também não segue regras é o poeta Luís Filipe Cristóvão, em “Para uma política do real”, prefere escrever os seus versos em forma de frases, além de comentar sobre sua poética e o conteúdo do poema. Em “Desejo”, Maria Valéria Rezende conta em um único parágrafo gigantesco as peripécias de um motoboy para conseguir atender ao desejo da esposa grávida.

Ondjaki em “O cheiro do mundo” mostra as lembranças da infância do narrador, mais especificamente a primeira ida à escola. O menino supera o medo e a ansiedade de um jeito bem travesso. Um garoto também é o protagonista do texto de Pepetela, “O nosso país é bué”. Através de Miúdo Lito, o autor mostra os perigos de um patriotismo cego e ingênuo. Nos quintais dos vizinhos do garoto, começa a jorrar petróleo aparentemente sem nenhuma explicação. Lito e outros meninos ficam maravilhados com o fato e começam a gritar por aí que o país deles é bom. O governo fica desconfiado dessa fonte de riqueza misteriosa e resolve interferir.

Cansada de uma vida monótona e de um casamento sem amor, a protagonista do conto de Patrícia Reis (“Fúria”) pratica um ato de rebeldia anônimo e solitário na hora de dormir. Outro personagem que supera um momento de crise de uma forma inusitada é o protagonista do texto “O ministro de Deus”, do escritor Nelson Saúte. O personagem se torna um pregador. Em troca de dinheiro, ele realiza enterros para as famílias que não têm condições de chamar um padre.

Em “O tradutor ideal”, de Olinda Beja, um soldado africano de uma colônia portuguesa traduz para outros nativos o longo discurso do capitão português Sousa Gomes. A fala do militar luso levou mais de uma hora e meia; a do soldado, poucos minutos e arrancou bem mais aplausos do público. Inconformado com o fato, o capitão pergunta ao subalterno sobre o que ele disse exatamente. A resposta do soldado é disconcertante e inesperada, além de dar um toque de humor ao conto.

Em “Se eu e tu”, João Pedro Mésseder mostra como se escreve um poema romântico sem pieguice e pedantismo. Já em “Palavra que voa: papagaio” e “Alentejo”, o poeta brinca com o sentido das palavras. Outro que faz jogos com as palavras e seus significados é o escritor Marcelino Freire, porém ele adota um expediente bem original e incomum. No texto “Tentando entender”, o autor escreve o texto em forma de verbetes de dicionário interligados. Nessas ligações, o leitor consegue ver episódios nada honrosos da história brasileira como massacres de índios, as perseguições das ditaduras e exploração de trabalhadores.

O projeto gráfico da antologia recebeu um cuidado especial da editora. A capa é uma boa representação da diversidade de conteúdo da obra. Cada nome de autor participante é escrito em um tipo de letra diferente. Há também um blogue para a obra (http://desacordo-ortografico.blogspot.com). Lá estão vídeos de divulgação com autores, editores e convidados lendo trechos da obra.

Desacordo ortográfico é uma boa introdução para aqueles que querem conhecer as peculiaridades das literaturas em português. Também é uma amostra do que é possível fazer na língua portuguesa em termos literários. Além disso, é uma prova de que boa literatura também se faz quebrando as regras e normas da gramática.

Comentários (1)
  1. SUELI MARTINI

    07 de fevereiro de 2010 - 18:48

    No Brasil hoje são falados por volta de 210 idiomas.

    Uma só prédomina o Brasileiro.

    As comunidades indígenas do Brasil falam cerca de 170 línguas (chamadas de autóctones).

    Como resultado de séculos de tráfico de escravos da África, inúmeras línguas africanas foram faladas no Brasil e influenciaram fortemente a língua do Brasil.
    Hoje em dia, nenhuma dessas línguas africanas é falada plenamente no Brasil, tendo passado a se manifestar apenas em usos específicos, seja como línguas rituais (por exemplo, as usadas nos cultos afro-brasileiros), seja como línguas secretas que identificam quilombolas como a Gira da Tabatinga, por exemplo.

    Já os imigrantes chegados depois de 1850 trouxeram línguas de seus respectivos países, dentre as quais as mais faladas hoje são o italiano e o alemão. Essas comunidades ainda possuem um número significativo de falantes, sobretudo na região sul do Brasil.

    sem esquecer o Português , o japonês, francês , polaco que também influenciaram nosso rico idioma.

    O idioma brasileiro, é a fusão de essas linguas todas : tupi garani com italiano com alemao com português com inglês com espanhol com japonês comfrancês com hindi etc…

    Tenho esperança um dia a lingua BRASILEIRA sera a unica lingua oficial do BRASIL ( e não a lingua horrorosa do português, tirem isso fora do brasil , que feia !!!)

Deixe um comentário

Nome *




* Campos obrigatórios

Newsletter

Cadastre seu e-mail e receba atualizações do site

Powered by FeedBurner

 

Livraria Cultura - Clique aqui e conheça nossos produtos!

 

 

Copyright © 2009 Literatsi. Todos os direitos reservados.
Powered by WordPress