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Nos “cantos” de Sahmaroni Rodrigues, o amor não é o clássico e ingênuo cupido, mas algo que dói na carne

– 03/06/2015

Cantos, de Sahmaroni RodriguesCANTOS
Sahmaroni Rodrigues
88 páginas
Substânsia, 2014

 

Usando uma sintaxe desconstruída e explosiva, os “cantos” de Sahmaroni Rodrigues flertam com a poesia. As narrativas presentes no livro de estreia do escritor cearense trazem um coro de vozes angustiadas. Personagens que precisam lidar com as dores do amor e os tenebrosos vícios carnais.

Ao se aventurar pelas páginas de Sahmaroni, o leitor deve esquecer a ingênua e romântica visão de amor. Esse sentimento acontece na carne, no corpo. “Se você ama alguém com o coração você tem pena dele: compaixão”, afirma o velho desiludido do conto “Helado Limon”. Já o protagonista de “Ainda os nós” questiona: “Se o amor é na carne ele também apodrece?”. O tempo, “clarão que destrói vaidades”, vai corroendo tudo e todos, inclusive a carne. Nenhum deus é capaz de deter tamanha voracidade. O amor não é eterno, tem fim. No microconto “Homem de areia”, o rosto e as lembranças da pessoa amada desaparecem mais rápido do que as nuvens e os desenhos no céu.

Como na balada hard rock da banda escocesa Nazareth (“Love hurts”), o amor machuca, dói. Novamente o narrador de “Helado Limon” entra em cena: “Pra mim a vida só é possível na aceitação dela. Da dor. Dorida. Dorvida.” Já o conto “Via crucis do Porco” apresenta o seguinte trecho:

A multidão aos poucos foi calando se acalmando e inundada por aquele amor e então começaram a chorar e a se lamentar e a praguejar contra o céu. Sentiram o peso do amor e queriam negá-lo. Naquele dia a cidade ficou deserta. Todos entenderam que teriam que aprender a amar. Aprender a sofrer. O sofrimento dos prazeres sem fim.

Ainda dentro do conto “Via crucis do Porco” o leitor encontra um Jesus que prega o amor acima de qualquer corpo e que compreende o fato de o amor não caber em um corpo. Apesar de estar ligado à carne, o amor não se resume a sexo.

Por não suportarem a dor e terem um sentimento que não conseguem manter preso dentro de si, os personagens angustiados dos “cantos” buscam inutilmente consolo na riqueza, na fama, nas bíblias, na ilusão da família feliz e no sexo casual com estranhos encontrados em bares e becos imundos. Alguns desses personagens têm um fim trágico como o bem-sucedido ator de filmes pornográficos, que se atira em um rio por não conseguir amar.

O amor não é exclusividade dos amantes. Sahmaroni também aborda em seus textos a relação entre mãe e filho. Durante a gestação, mãe e filho são dois corpos em um. Essa vida conjunta tem o fim marcado pela dor. “Nascer é rompimento do primeiro amor.” Enquanto a mãe sofre com as dores do parto, o recém-nascido dá o seu primeiro berro no mundo, a mais profunda angústia da perda. A vida segura e tranquila no útero materno acaba, uma nova realidade desaba sobre o desconsolado recém-nascido. Uma vida de novos amores e dores.

Apesar de ser um livro curto, menos de 90 páginas, Cantos é profundo e pede releitura. Cada conto deve ser lido com calma. Há sempre algo a ser descoberto. Não há como ficar indiferente aos “cantos” de Sahmaroni. Nem todos estão preparados para lidar com o indecoroso da carne e o desmascaramento das relações.

 

Onde comprar: Editora Substânsia

 

Texto publicado na edição 1 da revista Eels.

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Comentários (2)
  1. Sahmaroni

    03 de junho de 2015 - 18:43

    Caramba, me aqueceu demais o coração ler sua critica do livro! Grato, muito Grato! eu realmente amei

  2. Luiz Fernando Cardoso

    04 de junho de 2015 - 18:47

    Muito obrigado pela visita. Fico feliz por você ter gostado da resenha.

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