Marx e Paulo Mendes Campos
se encontraram para um café.
Quem pagou a conta?

Imagem: Billy Frank Alexander – Freeimages
O dinheiro acaba. Numa fila de banco, por exemplo, antes de pagar um boleto de cobrança atrasado, na conversa com o idoso simpático e carente que quer seu lugar de direito no assunto; acaba dias depois do pagamento, quando cai o cheque, aquele que nem lembrávamos termos endossado; na fatura do cartão de crédito com um erro de cálculo sem limites; o dinheiro acaba de repente, quando chega a conta assinada pelo garçom; acaba em letra de forma irregular, com uma soma de dez por cento onerando o amor; o dinheiro acaba na catraca do ônibus, indo para casa e recusando convites para jantar; conta-gotas e moedas, e o dinheiro não dá mais; o dinheiro acaba depois do último prato feito, com fritas carregadas de gordura e sabor de peixe; na conta corrente o dinheiro nem para, acaba indo para outros números; o dinheiro acaba frente à mulher amada, antes da esperança, do casamento, da família; nem sequer deixa vestígios, centavos, acaba com a gente; nos guichês de telefonia, na loja de doces, no supermercado; acaba na bilheteria do cinema, antes da pipoca da qual não vamos sentir o sabor; nas periferias ele acaba, na alvorada do mês ele acaba, na aposentadoria ele é muito pouco; acaba no shopping center, antes do caminhar de mãos dadas em silêncio, cortando o ar pegajoso do estacionamento com a respiração pesada; o dinheiro acaba para os ricos, para os de classe média, para os sem classe nenhuma; se esgota e acaba com a esperança, leva a vida do céu ao inferno, e ao céu novamente quando desabrocha em cédulas; compra felicidade, compra afeto, compra amigos, faz falta; o dinheiro acaba nas melhores famílias, nas pilhas de contas a pagar acumulando na soleira da porta; no olhar resignado dos pais de família que se preocupam com o futuro das filhas, na complacência de mães beirando a crise da meia-idade; o dinheiro acaba em calçadões movimentados, com ambulantes eloquentes gritando o pão de cada dia em seu dialeto próprio; acaba nos prédios antigos de galerias térreas com ofertas de vida e de morte; acaba nos inferninhos decadentes, nas mãos de putas viciadas e operários castigados de sol; acaba de dia ou de noite; acaba no domingo úmido, depois de três cervejas geladas e sete piadas de português; exorta o homem e enxuga a alma; faz do velho moço, da rameira donzela, do bandido rei; mas acaba o dinheiro, acaba o sonho, vem o choque; há quem não precise, há quem o subjugue, há vida inteligente na terra que não depende dele; acaba na compra por impulso, na bolsa nova da menina que paga as contas de casa, a faculdade, o plano de saúde dos avós; acaba na mão dos políticos, ralos de dinheiro; acaba em Recife ou Cubatão, acaba apressado como São Paulo; a cada taxa, imposto, alíquota; a cada passo em falso em ruas escuras, nas mãos de assaltantes, taxistas, taberneiros, funcionários dos Correios; o dinheiro acaba no tilintar dos copos, no último cigarro amassado que sobrou dentro do maço, no final da noite e no começo da história diária de cada um o dinheiro acaba. Sem pestanejar o dinheiro acaba. Sem avisar o dinheiro acaba. Sem previsão o dinheiro acaba.
Thiago Lira, 30 anos, cresceu em Ibiúna, cidade do interior do estado de São Paulo. Vive na capital paulistana desde 2006. Formado em Comunicação pela Belas Artes de São Paulo, trabalha há mais de 5 anos como redator em agências de publicidade. Além de crônicas, poesia e contos, também escreve roteiros de curta e longa-metragem e viaja pelo estado tocando baixo em bandas de punk rock autoral.
Texto publicado na edição 2 da revista Eels.
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