Crônicas

A tão amada guerra

  O que me presto a descrever a seguir, antes de mais nada, refere-se a uma combinação de atos, não a uma sequência perfeitamente sincronizada. Sim, uma combinação por vezes caótica e simultânea. Num específico lapso de tempo, mas em âmbito global, quando abordado o espaço territorial. Comércio, indústria e agropecuária seguem seu ritmo normal. […]

– 23/03/2015
Guerreiro

Imagem: Vector Portal e Open Clipart.

 

O que me presto a descrever a seguir, antes de mais nada, refere-se a uma combinação de atos, não a uma sequência perfeitamente sincronizada. Sim, uma combinação por vezes caótica e simultânea. Num específico lapso de tempo, mas em âmbito global, quando abordado o espaço territorial.

Comércio, indústria e agropecuária seguem seu ritmo normal. Destarte, o ar está mais denso. Corações pululantes e olhares atentos, até que, momentaneamente, tudo para em algum canto do mundo. Tambores, baquetas e bandeiras lançam ao ar seu anúncio, como um mar que abriga olhos de peixes famintos por presas que caiam na água. Logo chega ao fim o silêncio arduamente mantido. Corações e bumbos juntos na mesma agonia. Pessoas de todos os credos numa esfuziante alegria, semiloucura.

Enfim, a tão anunciada guerra – a sazonal e amada. Um mês permanente de batalhas. E nós, brasileiros, enfrentamos um povo a cada punhado de dias ou menos. O respeito é relativo no campo de batalha; a artilharia, pesada. Algumas armadas não oferecem praticamente resistência. Em um mês conquista-se o mundo, não apenas o verde campo de batalha. Trata-se de um verde meramente simbólico.

Rostos pintados para os combates. De cores variadas e pinturas diferentes, histórias de povos se cruzam. Ontem, metrópoles e colônias. Hoje, ricos e pobres. Países centrais e periféricos se entreolham. Aqui há a tão aguardada oportunidade de estes terem uma pequenina forra pela exploração até hoje presente. Trata-se de uma guerra atípica, uma vez que, durante as batalhas, há “trocas de farpas” bem afiadas, como navalhas, foices, facões… porém, depois, apertos de mãos e abraços aos borbotões.

Batalhas infindáveis dentro de uma guerra organizada. Juízes encaram suas vezes de anjos e demônios; seu arbítrio os condena ou absolve. Tornam-se, então, sujeitos passivos de seu próprio ato de julgar. São cabeças que também podem ir aos leões. Malgrado ele, o temido julgador, não ir só. Aquele a quem incumbir a tarefa de decapitar o inimigo, mas não o fizer, irá acompanhá-lo. E será visto como o maior dos traidores – o Judas Iscariotes da própria pátria. Um traidor de milhões que têm seu êxtase absoluto precocemente interrompido por um cruel cerrar de coxas – um coito abortado. Do outro lado, o glorificado. Pela eficiência, pela estratégia, pelo conjunto de onze corpos e uma só alma.

A cada avanço ou deslize: urros, suspiros, choros, risos. Uma insanidade (no mais das vezes) controlada parece reinar em cada face, de forma que o que a princípio pode parecer tenebroso logo adquire cores de comicidade. Cadáveres ressuscitam de suas tumbas e catacumbas. Parecem sedentos por cérebros frescos, ainda pulsantes. São zumbis desesperados em busca do sofrimento dos vivos.

Todavia, como o descrito anteriormente, não se trata da normal animosidade entre oponentes sádicos e carniceiros. O sangue já não mancha espadas, lanças, tacapes, flechas, escudos, armaduras ou simples vestes. Cabeças não mais são decepadas. Não vejo os soldados de Osama, os de Bush ou Sharon. Não há o temor de um novo Napoleão, Mussolini, Salazar ou Hitler. Tampouco há caravelas ou navios, arcabuzes ou metralhadoras, armaduras ou coletes. Escudos há, mas não aqueles truculentos medievais. Por trás destes há, malgrado, temerosos guerreiros, como em todas as épocas.

No entanto, não há espadas, apenas pés. Várias expressões nos rostos: palidez, exaustão, maravilha. Alguns estão alegres, mesmo que derrotados. O que corre liso sobre a grama é agora recoberto por couro sintético, não cabeludo. Rola liso, como as cabeças rolavam ao sentir o gosto amargo e cortante de guilhotinas e espadas outrora.

Ruas e avenidas decoradas. Empresas rendendo-se à zona. Mar de bandeiras nas arquibancadas. Uma onda varrendo os maus fluidos. O mundo fitando incessantemente seus aparelhos de televisão, computadores e rádios. Começou tudo novamente, como há quatro, oito, doze, dezesseis, vinte anos atrás.

 

Paulo Oliveira Caruso é servidor público, administrador, advogado, comendador pela ABD, organizador de concursos literários e antologias, poeta, prosador e membro de Academias.

 

Texto publicado na edição 1 da revista Eels.

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Comentários (1)
  1. PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA CARUSO

    30 de junho de 2016 - 01:03

    Boa noite, prezados. Eu nem fazia ideia de que vcs me haviam concedido a imensa honra de publicar a minha crônica em homenagem às Copas do Mundo aqui neste site!!!!! Digitei no Google o título, para verificar se eu a deixara publicada, e me surpreendi! Obrigado de coração pelo carinho a mim dispensado! Vou imprimir e deixar junto aos meus certificados na literatura. Abraço grande. Paulo Roberto de Oliveira Caruso.

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