Tinha decidido. Acabaria com a própria vida naquele Natal. Escolheu a data pelo apelo dramático, todo ano se lembrariam dele quando chegasse nessa época do ano. Queria morrer, mas não queria ser esquecido.
Planejou todos os detalhes para o funeral com muito cuidado. Na entrada teria um grande mural com fotos dele retratando alguns dos seus bons momentos. Para entrar na sala onde estaria o caixão, todos deveriam, obrigatoriamente, passar pelo mural e, de preferência, chorar um pouco.
Na sequência, entrariam em uma grande sala, com música ambiente, trilha sonora criteriosamente selecionada entre as suas favoritas. Seu perfume favorito seria borrifado a intervalos regulares. Em um tipo de altar, ficaria a urna, ricamente ornamentada, cercada de incontáveis rosas brancas. Ele estaria vestido em um terno preto, feito especialmente para a ocasião. Faltava apenas um detalhe, como faria para morrer. Gozava de saúde excelente e viveria cem anos, conforme o médico dissera no último check-up. Não queria sofrer uma morte dolorosa, não queria morrer por envenenamento, nem de fome ou sede. Também não queria ser assassinado por arma de fogo ou a facadas. Talvez uma daquelas mortes heróicas que a imprensa noticiasse por semanas. Tinha que resolver logo porque estava ficando sem opções, e o Natal seria dali a duas semanas.
Não tinha nenhum motivo para continuar vivendo. Achava sua vida medíocre e que não faria mesmo falta a ninguém. Com esta morte planejada, queria deixar sua marca, coisa que não conseguiu em vida. Afinal, não é para isso mesmo que as pessoas vivem, para deixar sua marca no mundo, de alguma forma?
Pensou, pensou e pensou. Era tão covarde que não conseguia nem se matar. Tantos tipos de morte disponíveis, e ele não conseguia decidir por nenhuma. Todas tinham mais contras do que prós. Queria mesmo era dormir e não acordar mais. Simples, limpo e sem dor. De tanto pensar, bateu uma tristeza e decidiu sair à rua, encontrar um bar aberto àquela hora, beber um pouco, quem sabe conseguisse pensar em alguma coisa.
Entrou no bar e pediu uma dose de uma bebida bem forte, foi quando viu a garota sentada no último lugar do balcão. Ela estava chorando muito e bebia uma bebida colorida de azul. Vestia uma roupa meio esquisita, parecia uma personagem saída daquelas revistas japonesas. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo bem alto e tinha mechas vermelhas e pretas. Ela era linda e parecia tão triste.
Puxou assunto e descobriu que ela estava triste daquele jeito porque não tinha ninguém, que perto do Natal sempre ficava assim. Ele falou que também estava se sentindo daquele mesmo jeito e dos seus planos para acabar com sua vida. Conversaram o resto da noite enquanto caminhavam pela cidade vazia e fria.
Nenhum dos dois saberia dizer como começou aquela vontade de estar junto, mas gostaram tanto de conversar um com o outro que não conseguiram mais se largar. Passaram aquele Natal juntos e começaram a planejar a morte a dois, mas antes queriam viver um pouco mais.
Marcilena de Paula nasceu no ano de 1977 no Estado do Paraná, onde reside atualmente. O início de sua alfabetização foi através das histórias em quadrinhos lidas pela irmã, e a partir daí, a literatura nunca mais saiu de sua vida, sendo sua paixão. É casada, mãe de duas meninas e dois meninos e avó de uma linda garotinha.
Texto publicado na edição 1 da revista Eels.
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