Release da editora (Maria Esther Maciel)
“Quanto tempo faz que tudo aconteceu? Não sei. O timecode mistura tudo – horas, minutos, segundos e cenas. Nem sei se o que vejo agora é de antes ou de depois.” Com estas palavras, o narrador deste segundo livro de Christiane Tassis tenta entender a desordem do tempo, buscando vias possíveis para reconstituir sua história a partir de fragmentos de imagens, textos e reminiscências.
O romance é uma montagem em frames, os capítulos obedecendo ao timecode de cada cena. Náufrago na ilha de edição, o narrador – um videomaker – rebobina, avança, pausa, descarta, recorta e encaixa as cenas do relacionamento com duas mulheres incomuns: uma que ele amou e outra que ele tentou inventar, cada uma com sua loucura, seu encanto e suas idiossincrasias. As três vozes se entrelaçam, pois as mulheres assumem, várias vezes, o “eu” da narrativa em depoimentos ou escritos deixados em blogs, celulares e bilhetes. Soma-se ao instigante jogo de “eus” a fala de um gato que, nas primeiras páginas, prefigura obliquamente para o leitor os saltos, impasses e surpresas que atravessam todo o romance.
A habilidade narrativa de Christiane Tassis se dá a ver na costura íntima dos detalhes, na força visual do texto e no ritmo envolvente das ações. Afeita à experimentação e às formas híbridas da escrita, Tassis compõe um mosaico de experiências vividas e encenadas, como se os limites entre o que o olho vê e o que a câmera registra estivessem sempre por um triz. O melhor do inferno incorpora inventivamente as linguagens do nosso tempo e funde o visível ao imaginado, confundindo making of e filme.
Deixe um comentário