Alguns herdeiros gananciosos estão vendendo os direitos de publicação de obras inacabadas ou condenadas ao lixo pelo autor. Em alguns casos, elas são desfiguradas antes de chegar à gráfica. Essa atitude é prejudicial à reputação dos escritores mortos.
A vontade do autor deveria estar acima da vontade dos herdeiros, dos interesses dos editores e da curiosidade dos leitores, dos críticos e dos biógrafos. Mas não é o que acontece. O poder de decisão dos herdeiros pode pôr abaixo uma reputação literária que levou anos para ser consolidada, quando não alimenta o mercado de fofocas, expondo a intimidade do escritor com a publicação de cartas e diários.
A lista dos escritores que sofrem com seus herdeiros é enorme. Ernest Hemingway, Leon Tolstoi, Mark Twain, Graham Greene, Vladimir Nabokov, Jack Kerouac, Roland Barthes são as vítimas mais recentes.
Na França é discutido se Nathalie Léger e a editora Du Seuil agiram certo a trazer a público o diário de luto de Roland Barthes, que ele escreveu motivado pela morte da mãe em 1977. Além de reflexões e memórias sobre perda e orfandade, o documento trata muito rapidamente da homossexualidade do teório francês, assunto que ele procurava disfarçar.
Dmitri, filho de Vladimir Nabokov, ignorou o pedido do pai de queimar os esboços de The Original of Laura. Os escritos foram vendidos para revista Playboy. Os herdeiros de Graham Greene autorizaram a publicação da novela inacabada de crime e mistério The Empty Chair na revista literária Strand. O editor da revista, Andrew Gulli, fará um concurso entre os leitores da revista para finalizar o texto de Greene e dar uma solução para o mistério da história. Gulli também foi responsável pela publicação de ensaios e contos inéditos de Mark Twain.
Leon Tolstoi, autor de Guerra e paz, criou uma versão reduzida de seu romance. Nessa versão centenas de páginas menor que o original, o principe Andrei sobrevive à Batalha de Borodino. A tradução para o inglês foi há pouco comprada pela editora HarperCollins.
O caso mais recente foi o de Paris é uma festa, de Ernest Hemingway. O neto Sean eliminou trechos do último capítulo, trocando por outros mais simpáticos à avó Pauline, e reduziu a um apêndice todas as partes de que não gostava ou, conforme alega, “não correspondiam às reais intenções editoriais do avô”. Na versão conhecida do livro, Pauline, ex-mulher de Hemingway, não é citada nominalmente.
O único jeito para um escritor evitar que seus herdeiros reeditem seus textos ou que publiquem inéditos depois de sua morte é deixar essa vontade especificada no testamento.
Fonte: Estadao.com.br.
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