Ao invés de fazer uma lista dos melhores livros de 2014 baseada apenas no gosto pessoal de seu editor, a revista Eels convidou sete críticos literários que escrevem em importantes periódicos culturais como o jornal Rascunho e os cadernos de cultura dos jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico.
Foi pedido a cada um dos convidados que fizesse uma lista com cinco livros que se destacaram em 2014. Entre as obras de sua lista, o crítico deveria escolher a mais importante e justificar a escolha. O leitor mais atento irá perceber que alguns livros indicados não foram lançados em 2014, mas no ano anterior. A justificativa para isso é a observação feita por Rodrigo Casarin, um dos críticos convidados. Casarin alerta para o fato de que alguns livros lançados no final de 2013 apenas repercutiram no ano seguinte. Tais livros são marcados com um “*”.
Para aqueles que gostam de números, aqui vão alguns. A maioria dos livros citados foi escrita por autores brasileiros: 19 de um total de 35. Quatro críticos convidados (Clayton de Souza, Marcos Pasche, Noemi Jaffe e Rodrigo Casarin) consideram como a obra mais importante de 2014 um livro de autor nacional.
Romance é o gênero mais citado, com 19 livros. Dentre esses romances, 13 foram escritos por autores estrangeiros. Além disso, três convidados (André de Leones, Gisele Eberspächer e Roberto Tadei) consideram um romance estrangeiro como o livro mais importante de 2014.
Apesar de serem pouco citados, os livros de poesia aparecem como a obra mais importante de 2014 em duas listas (Clayton de Souza e Noemi Jaffe). Se for considerado o livro de ensaios escrito por Antonio Carlos Secchin sobre a obra de João Cabral de Melo Neto, apontado pelo crítico Marcos Pasche como o livro mais importante de 2014, há um empate entre poesia e romance.
Dos 35 livros citados, 17 foram publicados por editoras de grande porte (Companhia das Letras, Globo, Rocco, Record e Zahar). A editora que teve mais livros citados foi a Companhia das Letras, com oito títulos. Em seguida vem a Globo, com cinco, e a Cosac Naify, com quatro. Entretanto, das 17 editoras que aparecem nas listas, a maioria é de pequeno porte: Oito e Meio, Substânsia, Patuá, Oficina Raquel, Oitava Rima, Dobra Editorial e Confraria do Vento. Já as editoras de porte médio são representadas pela Cosac Naify, Aleph, Editora 34, 7Letras e Geração Editorial. Além disso, dos sete livros considerados os mais importantes de 2014, quatro foram publicados por editoras de médio porte (Cosac Naify, 7Letras e Geração Editorial). Os outros três livros foram publicados pela Companhia das Letras, que é uma casa publicadora de grande porte.
Confira a seguir quais livros se destacaram em 2014 na opinião de nossos convidados.
André de Leones
- Graça infinita, de David Foster Wallace (Companhia das Letras)
- O pintassilgo, de Donna Tartt (Companhia das Letras)
- Os luminares, de Eleanor Catton (Globo)
- Minha vida sem banho, de Bernardo Ajzenberg (Rocco)
- Um homem burro morreu, de Rafael Sperling (Oito e Meio)
Graça infinita figura no topo por ser, talvez, o último grande romance do século XX. DFW sumariza as dores, os vícios e a violência, erigindo um tremendo edifício formal que engloba o que veio antes e aponta para o que virá. É uma criação prodigiosa, em que até os exageros e imperfeições são, além de justificados, imprescindíveis para chegar aos estilhaços humanos que restam por ali.
André de Leones (Goiânia, 1980) é autor dos romances Terra de casas vazias e Dentes negros (lançados pela Rocco), entre outros. Vive em São Paulo. Weblog: vicentemiguel.wordpress.com.
Clayton de Souza
- Antologia poética, de Murilo Mendes (Cosac Naify)
- Travessia marítima com Dom Quixote, de Thomas Mann (Zahar)
- As afinidades eletivas, de Johann Wolfgang von Goethe (Companhia da Letras)
- O núcleo selvagem do dia, de Madjer de Souza Pontes (Substânsia)
- É que os Hussardos chegam hoje, edição e organização de Ana Rüsche, Elisa Andrade Buzzo, Eduardo Lacerda, Lilian Aquino, Vanderley Mendonça e Stefanni Marion (Patuá)
Sem dúvida, o lançamento mais expressivo do ano para a literatura brasileira, inclusive num viés diacrônico, é a Antologia poética de Murilo Mendes, pela Cosac Naify. A iniciativa permite revisitar a obra de um poeta injustamente eclipsado nos anais do estudo literário por seus pares, naquilo que se convencionou considerar como segunda fase modernista. A poesia de Murilo possui um expressivo tom ecumênico, universal, que nem a adesão ao catolicismo consegue elidir, antes parece ampliar. Certamente, tais predicados respondem pela outorga do prêmio internacional Etna-Taormina, a ele entregue em 1972.
A editora ainda complementa o lançamento com um CD onde podemos ouvir o próprio autor declamando seus poemas. Sem dúvida, uma iniciativa bem vinda (que, esperamos, se repita com outro ilustre “desconhecido” – Jorge de Lima).
Clayton de Souza é escritor, autor do livro Contos juvenistas (prosa) e prepara atualmente seu primeiro livro de poemas, Versos de imprecação contra o mundo (em parceria com o poeta Witalo Lopes). É colaborador fixo no jornal Rascunho, e reside em São Paulo.
Gisele Eberspächer
- Americanah, de Chamamada Ngozi Adichie (Companhia das Letras)
- Aguapés, de Jhumpa Lahiri (Globo)
- Autobiografia: o mundo de ontem, de Stefan Zweig (Zahar)
- Andróides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick (Aleph)
- A história de Lucy Gault, de William Trevor (Globo)
Americanah, terceiro livro da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, narra a história de Ifemelu, uma jovem também nigeriana que saí de seu país para cursar a faculdade nos EUA. Ela só volta para sua terra natal depois de muitos anos, quando já é adulta. A condução da história impressiona, com personagens coerentes que não perdem o fôlego mesmo depois de mais de 500 páginas. Além disso, Chimamanda sabe como ninguém inserir temas como feminismo e diferenças culturais na narrativa, usando a vida de seus personagens para abordar questões extremamente contemporâneas.
Gisele Eberspächer é curitibana e jornalista freelancer. Gosta tanto de falar sobre livros, que criou um canal no Youtube para fazer isso – o Vamos falar sobre livros?.
Marcos Pasche
- Peomas, de Leandro Jardim (Oito e Meio)
- A primeira morte, de Maíra Ferreira (Oficina Raquel)
- O que eu disse ao general, de Anderson Fonseca (Oitava Rima)
- João Cabral de Melo Neto – Uma fala só lâmina, de Antonio Carlos Secchin (Cosac Naify)
Dentre esses livros, dou um aplauso maior ao que chega como consagração de uma carreira brilhante: Uma fala só lâmina, de Antonio Carlos Secchin, é um supremo estudo acerca da obra de João Cabral de Melo Neto. Trata-se de uma refundação de João Cabral: a poesia do menos, tese que Secchin publicou em 1985. Esta foi minuciosamente revisada e passa agora a contar com ensaios inéditos dedicados a livros que João Cabral lançou após o estudo de Secchin. Trata-se de livro indispensável ao conhecimento da poesia, e especificamente ao da obra do poeta pernambucano, e há que se destacar o superlativo encontro do rigor analítico com a beleza da palavra crítica.
Marcos Pasche nasceu em 1981, no Rio de Janeiro. É professor de Literatura Brasileira na UFRRJ e crítico literário, autor de De pedra e de carne: artigos sobre autores vivos e outros nem tanto (2012).
Noemi Jaffe
- Um teste de resistores, de Marilia Garcia (7Letras)
- Um outro amor, de Karl Ove Knausgård (Companhia das Letras)
- Dez centímetros acima do chão, de Flavio Cafiero (Cosac Naify)
- O que amar quer dizer, de Mathieu Lindon (Cosac Naify)
- Garimpo, de Beatriz Bracher (Editora 34)*
Escolho Um teste de resistores, da Marília Garcia, porque vejo ali muita força poética, numa poesia que sabe ser narrativa e extensa, quando muitos poetas têm utilizado prioritariamente versos e poemas curtos. Acho que ela enfrenta um desafio e corre riscos grandes, atitude que considero fundamental na arte.
Noemi Jaffe é escritora, professora de literatura e crítica literária. Escreveu O que os cegos estão sonhando e A verdadeira história do alfabeto, entre outros livros. Colabora com os jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico.
Roberto Taddei
- A morte do pai, de Karl Ove Knausgård (Companhia das Letras)*
- Amantes da fronteira, de Tiago Novaes (Dobra Editorial)
- Ela me dá capim e eu zurro, de Fabrício Corsaletti (Editora 34)
- Semirámis, de Ana Miranda (Companhia das Letras)
- O mar, de John Banville (Globo)
- A redoma de vidro, de Sylvia Plath (Globo)
A morte do pai, de Karl Ove Knausgård. Um livro incontornável, fundamental para quem escreve ou estuda literatura. Knausgård, consciente ou não, consegue neste romance em seis volumes (apenas os três primeiros foram lançados no Brasil) apresentar uma saída para a crise da narrativa contemporânea e aponta para uma renovação do gênero, após décadas de vaticínios sobre a morte do romance. Quem não leu, lerá.
Roberto Taddei optou por comentar todas as obras de suas listas.
Amantes da fronteira, de Tiago Novaes. Um romance de viagem sobre um personagem em busca de identidade entre meditações, deslocamentos geográficos e psicológicos. Uma prosa madura, de um jovem autor brasileiro, que dialoga em pé de igualdade com a que é produzido no mundo hoje. Entre os melhores romances que li neste ano.
Ela me dá capim e eu zurro, de Fabrício Corsaletti. Um dos principais cronistas em atividade no Brasil hoje, Corsaletti conseguiu renovar o estilo, atualizando o padrão elevado da crônica lírica estabelecida por Rubem Braga. Os textos reunidos neste volume não são novos, mas a reunião é motivo de comemoração.
Semirámis, de Ana Miranda. Um livro sensível de uma autora que se entrega com intensidade e leveza na construção de um romance histórico envolvendo o Segundo Império e José de Alencar.
O mar, de John Banville. É a segunda tradução deste livro no Brasil, e foi lançada em 2014. Uma obra prima vencedora do Man Booker Prize. Banville em seu melhor, com descrições comoventes e antológicas.
A redoma de vidro, de Sylvia Plath. Também uma nova tradução de um clássico da autora norte-americana, o livro recompõe os estágios que levam uma jovem com destino promissor da desilusão à depressão e a tentativa de suicídio. Um relato perturbador em primeira pessoa.
Roberto Taddei é autor de Existe e está aqui e então acaba (Dobra, 2014) e Terminália (Prumo/Rocco, 2013). É professor e coordenador da pós-graduação em formação de escritores do Instituto Vera Cruz.
Rodrigo Casarin
- Estrangeiro no labirinto, de Wellington de Melo (Confraria do Vento)*
- Hosana na sarjeta, de Marcelo Mirisola (Editora 34)
- Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex (Geração Editorial)*
- Como ficar podre de rico na Ásia emergente, de Mohsin Hamid (Companhia das Letras)
- O professor, de Cristovão Tezza (Record)
Dos cinco, destaco Holocausto brasileiro como o melhor. Não por sua qualidade técnica, mas por ser um livro reportagem que escancara uma vergonha que aconteceu e acontece – e acontece não somente nos manicômios, mas em qualquer lugar que reúna excluídos sociais – aqui no Brasil. Pouco adianta nos comovermos com um É isto um homem?, do Primo Levi, por exemplo, se outras situações semelhantes não nos causam compaixão e não fazemos algo – uma mudança de pensamento, uma reflexão conjunta, uma discussão acalorada, uma divulgação da situação… enfim, as possibilidades são inúmeras – para tentar mudá-las.
Rodrigo Casarin é jornalista, especialista em jornalismo literário, atua como freelancer para veículos como Uol, Valor Econômico, Carta Capital, Rascunho e Suplemento Literário Pernambuco, e edita o blog Página Cinco.
Texto publicado na edição 1 da revista Eels.
Patrícia Resende
12 de junho de 2015 - 08:08
Gostei muito da lista. Já adicionei alguns aos que ainda quero ler este semestre. 🙂
Gostaria de compartilhar mais uma produção de 2014 que achei surpreendende: A cor do leite, de Nell Leyshon, Editora Record.