A constatação de que a maioria da população de Curitiba desconhecia seus escritores locais serviu de combustível para a criação da revista Jandique. “Quando se questiona nas ruas se as pessoas conhecem Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Manoel Carlos Karam, Wilson Bueno, Jamil Snege, Valêncio Xavier, Cristóvão Tezza, e muitos outros, fico surpreso como esse nomes também não despertam nada mais do que um leve suspiro e uma face de interrogação, como eu se falasse de sujeitos estranhos à nossa cultura, o que dizer, então, de escritores que ainda nem sequer possuem uma obra completa como esses caras”, observa o editor-chefe Otavio Linhares. Incomodado com o fato, Otavio criou a revista Jandique, cujo primeiro número foi lançado em fevereiro de 2013. A revista literária tem como objetivo aproximar autores consagrados e iniciantes e ser uma ponte destes com o público leitor. A ideia é que Curitiba, e o resto do Brasil também, conheça os autores curitibanos. A cada três meses, uma nova edição da Jandique reúne seis escritores e um ilustrador. Também são publicadas entrevistas, fotografias, críticas e resenhas.
Atualmente, a revista Jandique é publicada pelo selo Encrenca – Literatura de Invenção. Os interessados em adquirir exemplares da revista podem fazê-lo através do site do selo (www.encrencaliteratura.com.br).
Otavio Linhares, editor-chefe da revista Jandique, concedeu a entrevista a seguir, feita através de e-mail. Além de falar sobre a revista e a origem do nome desta, Otavio comentou sobre sua ligação com a literatura e o cenário literário de Curitiba. A entrevista com o editor-chefe da Jandique marca o início de uma série sobre revistas e jornais literários. O objetivo é apresentar e registrar motivações, curiosidades, dificuldades enfrentadas e o funcionamento dessas publicações cuja importância reside em divulgar autores e ideias, além de incentivar a leitura.
Como surgiu a ideia de criar a Jandique?
Desde pequeno, sempre quis mexer com literatura. Porque lá em casa lia-se muito. Meu pai vendia livros, então sempre tinha algum livro perdido pelos cômodos da casa ou alguém lendo. Também tem minha mãe, que era uma leitora de andar com livro pra cima e pra baixo – onde sentava, ficava lendo seu livrinho. Acho que por causa desse vício, minha mãe me alfabetizou em casa, antes de eu entrar pro colégio regular. Ela me ensinou a ler com aqueles livros da coleção Vaga-lume, e depois me ensinou a escrever. Aí não parei mais. Eu tinha uns caderninhos entupidos com um monte de merda que ia relatando do meu dia – das coisas que eu via e das coisas que eu gostava de ver no que via. Depois, quando eu tinha sete ou oito anos, meu pai abriu uma livraria em Joinville. Ela já fechou faz tempo. Enfim, os livros sempre estiveram me rondando. Mas, eu demorei pra entender isso. Acho que a revista é a realização tardia de um sonho de criança, ter a literatura mais viva perto-dentro de mim. E, ao mesmo tempo, é uma forma de unir as pessoas em torno da literatura.
Qual a origem do nome da revista?
A gente estava em Superagüi conversando sobre literatura (a gente que eu digo: eu, Luiz Felipe Leprevost, Alexandre França, Diego Fortes e Beto Bruel). O Beto começou a contar umas histórias do tempo do epa sobre figuras engraçadas do teatro paranaense. Surgiu o tal do Jandique, que era o nome de um funcionário do Teatro Guaíra. Eu fiquei repetindo esse nome na cabeça, Jandique, Jandique, Jandique… porra! É bom pra caralho!, eu pensei na hora e guardei a ideia de fazer uma revista com esse nome. No começo eu queria fazer por lei de incentivo, mas desisti. É muito moroso e burocrático fazer pelo caminho das leis. Acabei bancando eu mesmo o projeto.
Como são feitas as seleções de escritores e ilustradores para as edições da Jandique?
De forma meio anárquica. Eu comecei catando textos da galera que eu conheço, meus amigos mais próximos. Depois as pessoas foram conhecendo a revista e perguntando se dava pra enviar textos. Começou a chover texto no e-mail da Jandique. Uns eu escolho pela minha cabeça editorial, e outros vêm até mim por meio do meu daemon (risos).
Com os ilustradores, a coisa está no campo do desejo de trabalhar com eles. Por exemplo, o caso do Foca Cruz, que ilustrou a edição 3, é bem característico. Sempre quis trabalhar com ele. Admiro demais os desenhos dele. A Jandique fez essa ponte entre a gente. Sempre quis trabalhar com alguns desenhistas e ilustradores. A Jandique ajuda muito nesse sentido.
Em sua opinião, como está a cena literária na cidade de Curitiba?
Acho que está como sempre esteve. Hoje qualquer um pode publicar, nem que seja no Facebook. Está mais barato e acessível publicar um texto hoje do que há dez anos, e mil vezes mais do que há trinta anos atrás. Está mais fácil de fazer. Tem mais gente fazendo. Você acaba tendo um caralhão de textos chovendo na internet e em publicações independentes. Acho que tendo mais textos, você acaba inevitavelmente tendo mais leitores. Você acaba tendo mais círculos de leitura. A cada livro, a cada revista ou jornal que nasce, você tem, óbvio, um novo círculo de leitores. Isso acaba aumentando o número de pessoas que leem. O que importa pra mim é quando esses círculos confluem, ou seja, quando um começa a invadir o outro e se interconectar. Aí o mercado de leitura cresce como um todo. Senão vira mercado de nichos particulares. Um “se fode aí negão”, uma espécie de quem pode mais chora menos. Não curto isso. Acho importante que os livreiros, editores e escritores se disponham a ajudar os círculos de leitura a crescerem. Mas, mais importante, que os círculos se invadam e se interpenetrem pra que a coisa inche a ponto de dominarmos o mundo. Parece coisa de gente louca, e é.
Curitiba tem tradição em revistas e jornais literários. A cidade é berço de publicações importantes como Nicolau, Joaquim, Cândido e Rascunho. Como você explica esse fato?
Curitiba é uma cidade neurótica por talento e labutária por vocação. A parte neurótica combina com essa coisa solitária do escritor. Acho que Curitiba tem mais escritores do que os que a gente vê por aí. Eles estão escondidos em seus quartos e escritórios. Escrever é um ato de solidão. Isso combina com Curitiba! Você pode escrever sozinho dentro do seu quartinho com seu computadorzinho numa boa.
E a labutária, porque sim! Eita povo trabalhador esse nosso aqui das araucárias. Não sei se se trabalha muito por aqui, mas pelo menos as coisas são feitas. Não sei explicar. Cresci vendo as pessoas trabalhando muito, independente de elas gostarem ou não de trabalhar.
Acho que unindo as duas coisas temos, dentro do mercado literário, uma vontade muito grande de aparecer pra esse mercado. As revistas e os jornais são uma forma muito boa de se autodivulgar e de divulgar o trabalho alheio. É uma forma de se unir para crescer. Para crescer mais rápido, diga-se de passagem. Em suma, é como se juntássemos um bando de neuróticos que estão a fim de fazer literatura, e aí temos diversas revistas e jornais. Agora, tentando me explicar, me parece que se autopublicar, seja em revista ou jornal, é uma forma de aparecer para o grande mercado. Se você for esperar o grande mercado te ver, já vão ter nascido seus tataranetos, e o seu livro não vai ter saído do computador. Essa é a minha experiência, não sei se é assim com todo mundo.
Qual a parte mais difícil de editar uma revista literária?
Pagar as contas! Se as pessoas acham que o mais difícil é escrever, digo que é pagar a gráfica.
Além de ser editor da revista Jandique, você é um dos criadores do selo Encrenca – Literatura de Invenção. A experiência com a revista teve alguma influência na criação do selo?
Na minha cabeça, não sei se é para o resto da equipe, a revista era um trampolim pra editora, que era um trampolim pra publicação, que era um trampolim pro mundo da literatura. Isso pra mim, é bem claro. A revista me deu experiência como editor e me aproximou das pessoas da literatura. Conheci nomes importantes da literatura através dela. Fiz bons contatos e grandes amigos. A criação da editora vem no esteio da publicação. Porque é o seguinte, e falo isso com Jesus no coração: ninguém quer saber do teu livro se ele não for capaz de vender. A lógica do mercado é: se vendeu, vem ni mim! Então o livro de um cara desconhecido dificilmente pega, a não ser pra família e pros amigos. Isso se ele for um cara pop. A saída é a autopublicação. Mas aí você cai na armadilha da distribuição, o que também é uma pica. Aí você tem que se virar. Acho que nesse caso, vai da capacidade de cada um de fazer o negócio acontecer. Tem um filósofo que diz: se a necessidade de fazer algo é maior do que a de não fazer, é inevitável que algo seja feito.
Um ano e cinco edições depois, o que mudou e o que vai mudar na Jandique? Quais foram as lições aprendidas com a Jandique?
Mudaram a maturidade com que a coisa acontece e a relação que passei a ter com os outros escritores. As coisas melhoraram bastante nos dois casos. Passei a ler textos que jamais leria e a ter um pouco de complacência com a coisa escrita. Muitas vezes, é um texto que não é pro meu bico. Eu escarafuncho e tento encontrar a potência das palavras que estão no papel. Tem a ver com habitar o texto alheio, penetrar as entranhas de quem o concebeu. Acho que eu gosto mais disso, na verdade. A função de editor da Jandique me deu essa oportunidade. Realizo algo que eu sempre quis fazer: o trabalho de chegar junto do autor, conversar com ele, tornar o texto o mais potente possível, abrir esse campo de diálogo pra que o trabalho dele cresça e se desenvolva. Dar um start num trabalho que às vezes a pessoa nem que acredita que possa desenvolver. Isso é legal também. Trabalhar junto com as pessoas. A Jandique me ensina cada dia mais a conviver (e a aguentar) bem com as outras pessoas (risos).
Que dica você daria a alguém que decidiu criar uma revista literária?
Só faça se for potente o suficiente pra mudar a vida das pessoas pra melhor. Se for pra deixar tudo como está, esqueça. O mundo não precisa de mais da mesma coisa!
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