Entrevistas

Luiz Biajoni

O escritor e jornalista Luiz Biajoni não fala apenas sobre o seu mais recente livro, A Comédia Mundana, mas também sobre hábitos de leitura e literatura policial, além de dar dicas de livros

– 10/04/2015
Luiz Biajoni

Foto: divulgação.

 

Estagiária de um jornal sensacionalista, Virgínia odeia andar de ônibus e sonha com uma vida mais confortável. Ao mesmo tempo em que descobre os prazeres do sexo anal, a bela jovem é escalada para cobrir, junto com um experiente repórter policial, o crime bárbaro de estupro e assassinato de uma garota por dois menores. Simultaneamente a isso, a vida sentimental de Virgínia anda agitada. O namoro está em crise e um médico bem-sucedido começa a assediá-la. Há ainda uma antiga colega de faculdade apaixonada por Virgínia. Ela não está disposta a perder a bela estagiária para os homens. Esse é apenas um resumo do enredo da novela “Sexo anal – Uma novela marrom”, uma das três narrativas que compõem o livro A Comédia Mundana, escrita pelo jornalista Luiz Biajoni.

A trilogia de Biajoni é ambientada em uma cidade corrupta do interior. No livro, o autor traça um retrato profundo e preciso dessa cidade e seus habitantes através da forma como esses cidadãos falam, interagem uns com os outros, satisfazem seus impulsos sexuais e lutam pelo poder. Há uma galeria de personagens singulares. Além de Virgínia, há o repórter justiceiro, o pai de família que quer mudar de sexo, o pastor gay casado com uma virgem, o traficante generoso e travestis apaixonados.

Na entrevista a seguir, feita com Luiz Biajoni, o livro A Comédia Mundana é apenas um dos assuntos. Biajoni também fala sobre seus outros trabalhos: a novela Virgínia Berlim e o romance Elvis & Madona, este último baseado no filme homônimo do diretor Marcelo Laffite. Hábitos de leitura, literatura policial e planos para o futuro também fazem parte da entrevista. Para saber mais sobre o livro A Comédia Mundana, leia a resenha publicada no site Literatsi.

 

O que o motivou a se tornar escritor?

Quem pode dizer como esse tipo de coisa acontece? Sempre gostei de escrever e ler. Fui trabalhar com jornalismo, as coisas aconteceram naturalmente.

 

Os títulos das novelas que compõem o livro A Comédia Mundana fazem referência a sexo, e alguns deles utilizam palavras consideradas chulas. Você já pensou em mudar esses títulos para algo mais suave e comportado? O uso de palavrões ajuda ou prejudica uma história?

É preciso perder o medo das palavras. O sexo é uma coisa natural, presente na vida de todos e de grande importância nas relações sociais, nas disputas de poder, como mecanismo de dominação etc… Então por que deixar o sexo de fora da literatura ou tratá-lo com discrição ou qualquer distinção? Nunca pensei em mudar os nomes das novelas que compõem A Comédia Mundana porque eles são perfeitos. Sobre usar palavrões, se a história e/ou os personagens pedirem, por que não utilizar?

 

O repórter policial Geraldo Assis é um dos personagens que está presente nas três novelas de A Comédia Mundana. Visto como uma espécie de herói local, o personagem tem um passado nada honroso. Como surgiu a ideia de criar esse personagem? Geraldo Assis foi baseado em alguma pessoa real?

Geraldo Assis é um amálgama de jornalistas, radialistas ou repórteres de polícia que eu conheci ou com quem trabalhei. Eu mesmo cobri polícia durante um breve período. O jornalista policial muitas vezes é um ser embrutecido pelos absurdos que vê no dia a dia e, em várias ocasiões, coaduna com a polícia, é obrigado a publicar o que a polícia quer – ou seu trabalho será dificultado. Quis levar um pouco disso para a literatura; o romance policial brasileiro deixa de fora essas coisas.

 

Na novela “Boquete – Uma novela vermelha” o pastor Fraguinha se aproveita da fé e da inocência dos fiéis para lucrar com o tráfico de drogas. Na sua opinião, a religião é algo que causa mais mal do que bem? O mundo seria melhor sem as religiões?

A inocência e ignorância das pessoas, somadas à ganância ou a interesses de quaisquer esferas de alguns, geram sempre mais mal do que bem. Só pessoas sem cultura, inteligência ou instrução, sem senso crítico ou noção da realidade, podem se guiar pela interpretação dúbia de textos antiquíssimos para provocar a intolerância, morte, dor, ódio e desamor.

 

Você teve uma experiência bastante incomum com a sua primeira novela. “Sexo anal – Uma novela marrom” foi rejeitada por várias editoras. Porém, quando você a colocou na internet, ela teve milhares de download e foi bastante elogiada por vários blogueiros. Como você explica isso? O que nas suas histórias atrai as pessoas?

Foi inusitado. Era o auge dos blogs e muitos começaram a falar sobre o livro, todos positivamente. Acho que era uma novidade, talvez tenha sido uma espécie de Cinquenta tons de cinza do momento, uma coisa meio catártica para os blogueiros: existia sexo de verdade! Hahaha.

 

Quarta capa, lombada e capa do livro A Comédia Mundana. Arte de José Luiz Benício

Quarta capa, lombada e capa do livro A Comédia Mundana. Arte de José Luiz Benício. Imagem: divulgação.

 

Depois de sua primeira novela, você escreveu o livro Virgínia Berlim – Uma experiência. Ele segue o mesmo estilo das novelas de A Comédia Mundana? Nas duas obras há personagens que se chamam Virgínia? Isso é proposital ou é mera coincidência? No que as duas Virgínias se diferem? Atualmente Virgínia Berlim está esgotado. Você pretende relançar o livro?

Virgínia Berlim foi escrito antes de Sexo anal e é só uma noveleta curta que eu nem pretendia lançar. Quando escrevi Sexo anal aproveitei o nome da personagem, pois é um nome que remete a virgindade; Virgínia é pura no início de Sexo anal. Depois vamos vendo-a se deixar levar pela corrupção profissional e moral. Pretendo reunir alguns contos e lançar junto com Virgínia Berlim, mas não há nada programado por enquanto.

 

O título A Comédia Mundana faz referência a dois autores clássicos: Honoré de Balzac (A comédia humana) e Dante Alighieri (A Divina Comédia). Como surgiu a ideia desse título?

Nasceu naturalmente, na discussão com o editor da Língua Geral, Hugo Gonçalves, e a assistente dele, Rebeca Fuks. Tínhamos três novelas, então pensamos em Trilogia Mundana. A epígrafe de uma das novelas é de Balzac, e alguém citou A comédia humana. Não me lembro se fui eu, mas gostamos também pela referência que podia ser feita com as três partes da Divina Comédia de Dante.

 

Você acha que a literatura policial vive um bom momento no Brasil? Quais autores você destacaria?

Eu acho que a literatura brasileira está em um bom momento, não gosto desse escaninho de “literatura policial”. Meus próximos livros não serão policiais, não quero ficar rotulado como autor policial e acho que meus livros têm crimes, mas não são necessariamente policiais. Prefiro não citar autores, não tenho acompanhado os livros policiais nacionais com muita acuidade. Postei no Facebook que dois dos melhores que li no ano passado foram Safári, do Luis Dill, e Dias perfeitos, do Raphael Montes.

 

Normalmente vemos livros sendo transformados em filmes, mas você teve uma experiência contrária: foi convidado pelo diretor Marcelo Laffite a escrever um livro baseado no filme Elvis & Madona. Como surgiu este convite? O diretor do filme interferiu na escrita do livro? Você foi fiel ao filme?

O Laffitte tinha lido meus livros e achou que o “espírito” do filme podia ser levado para a literatura por mim. Ele não interferiu em nada, e eu não fui fiel ao filme. A história básica está ali, que é a história do relacionamento entre o travesti Madona e a lésbica Elvis, mas inventei muita coisa que não está no filme, como a vida pregressa dos dois personagens. E mudei o final.

 

O que te chama mais a atenção em um livro: a história ou a forma como ela é contada?

Sempre digo que a história pede o formato. Se o formato está adequado para a história, o livro tem boas chances de ser interessante. Se o autor quiser florear ou experimentar em cima de uma história que pede uma narrativa mais formal ou simples, tem tudo para dar errado. Para tomar os exemplos dos meus livros: as narrativas de A Comédia Mundana são secas, brutas, com muitos cortes, ganchos, ação, ritmo; com palavrões, sexo e cores quentes – pois era isso o que as histórias pediam. Em Elvis & Madona já há mais calma e cuidado nos flashbacks, a história pedia um pouco mais de placidez, uma linguagem um tantinho mais lírica. Acho que é a história quem pede a forma.

 

Que tipo de livro te dá sono? E qual te tira o sono?

Livros com aquela pretensão literária chata, onde o autor quer mostrar que leu muito, faz citações ad infinitum e usa palavras difíceis, são um porre. Livro de autor que cresceu na biblioteca do pai tomando Nescau, sabe quase nada da vida e quer se meter a elucubrações baseadas nas vivências dos outros. Tem vários. Livro que me tira o sono é aquele que simplesmente não te deixa dormir. Você vai com ele para cama e não quer deixar até acabar. São poucos.

 

O brasileiro lê pouco ou lê mal? A escola estimula ou desestimula a leitura?

Acho que é lugar comum dizer que lê pouco. Brasileiro prefere sempre o que vem de fora, então acho que o brasileiro lê pouco livro de autor nacional, há um preconceito aí. O ensino de literatura nas escolas podia ser infinitamente melhor, disso eu tenho certeza. Querem que o estudante comece por coisas difíceis e que não são interessantes para ele. Ninguém pergunta o que o estudante quer ler, não é uma escolha, então muita gente acaba pegando bronca de livro.

 

Quais os planos para o futuro? Está escrevendo o seu próximo livro?

Meu novo livro deve sair nos próximos meses. Tenho um infantil pronto que também pretendo lançar neste ano. E já estou escrevendo o próximo. Não é algo opcional: é algo que sou meio que obrigado a fazer.

 

LUIZ BIAJONI INDICA

O evangelho segundo Hitler, de Marcos Peres

O evangelho segundo Hitler
Marcos Peres
Record
A melhor surpresa dos últimos tempos, a prova da inventividade da prosa brasileira com nível internacional. O autor inventa um homônimo de Borges e coloca o autor argentino como o criador do nazismo. Sensacional.

 

A vez de morrer, de Simone Campos

A vez de morrer
Simone Campos
Companhia das Letras
É o melhor exemplo da nova literatura brasileira contemporânea. Com linguagem moderna e sem firulas, Simone nos faz acompanhar Izabel, uma jovem dos dias de hoje. O tipo de livro que pode levar alguém a se apaixonar pela nova literatura brasileira.

 

Um homem burro morreu, de Rafael Sperling

Um homem burro morreu
Rafael Sperling
Oito e Meio
É a coisa mais maluca que você vai ler em língua portuguesa em muito tempo. São contos surreais, despirocados, escatológicos, uma coisa horrível mesmo. E, por isso, divertidíssimo.

 

Texto publicado na edição 1 da revista Eels.

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