Coluna rotativa

Revista Trasgo: Um desafio em construção

Rodrigo van Kampen fala sobre o desafio de editar uma revista profissional de ficção científica e fantasia no formato digital

– 04/04/2015

Edições da revista Trasgo

A revista de contos Trasgo surgiu de um duplo desejo. Como escritor apaixonado pelo formato mais curto da prosa, sentia falta de um espaço interessante para publicar. Há boas coletâneas organizadas por editoras como a Draco, mas sentia falta de algo mais plural e menos temático. Não que esses espaços não existam, há fóruns, sites de contos e portais de textos, mas com pouca ou nenhuma curadoria. Como leitor, sentia-me perdido nestes espaços, sem conseguir separar o joio do trigo. Acabava por me cansar rápido pela baixa qualidade do material.

O que eu queria era um espaço onde um editor dissesse “Olha, leia estes contos aqui, valem a pena”. Algo como as revistas americanas de ficção científica e fantasia, desde as clássicas dos anos 1950 até as contemporâneas. Sem encontrar algo assim, segui com um antigo sonho de faculdade e criei a Trasgo, focada em ficção científica e fantasia. Em dezembro de 2013, com a colaboração de amigos e autores, a primeira edição estava no ar. Era só o começo da jornada.

Ao contrário do que era usual a fanzines brasileiros, a revista não foi lançada em PDF, mas em ePub e mobi. Primeiro, porque não quis encarar o desafio de diagramar uma revista em PDF, formato mais próximo ao impresso. Segundo e mais importante, porque o PDF não foi feito para ser lido na tela. Muito menos em várias telas diferentes. Você não consegue ler um PDF confortavelmente no celular, por exemplo, ainda que seja capaz de abrí-lo.

Isso tem a ver com um dos principais conceitos do e-book: reflow. No ePub e mobi o texto é fluido e se adapta à tela, mudando a largura da coluna, permitindo que o próprio leitor escolha o tamanho de fonte mais confortável. É uma questão de filosofia: o que importa é o texto, não o design da página.

A revista foi lançada gratuitamente em seu primeiro ano, com quatro edições. Mas desde o começo ela visava à profissionalização. Fanzines e publicações gratuitas são necessárias no cenário brasileiro, mas também precisamos de publicações profissionais, que remunerem o autor. Escritor (e editor!) também tem conta para pagar.

Pensando nisso, a quinta edição foi a primeira em que cobramos pelos e-books, ainda que a maior parte do conteúdo seja disponibilizada no site gratuitamente. O modelo da Trasgo atualmente é o do lucro compartilhado. Toda a renda obtida com a revista é dividida entre todos os que trabalharam nela. Não é o modelo ideal, dá trabalho fazer todas as contas, mas é o que permite vida longa, ao contrário de um investimento do meu bolso ou da total dependência de publicidade.

Agora que a Trasgo é uma revista profissional, nós entramos em outras questões curiosas. Uma delas é o do monopólio das grandes livrarias. Vou falar da Amazon, mas todas as grandes operam sob moldes parecidos. A Trasgo está disponível na Amazon, você pode baixá-la diretamente para o seu Kindle. Mas, agora que está a questão, ela não é exclusiva do site. Isso significa que eu não posso fazer promoções ou destacar a revista no portal, o que prejudica as vendas.

Então, por que não deixar exclusivamente no site, já que é o maior mesmo? Porque acho que a empresa já tem poder demais (de ditar preços e quebrar livrarias e editoras, por exemplo). E, por mais insignificante que a revista Trasgo seja, prefiro acreditar que faço a minha parte apoiando iniciativas independentes como o site Mais Gibis, primeira recomendação para os nossos leitores comprarem a Trasgo. Não existe uma resposta simples para esse dilema. Dar exclusividade à Amazon e vender mais, ou continuar apoiando os independentes?

No fim, a Trasgo não é lucrativa. Não é nem viável financeiramente, considerando o tempo de trabalho para colocar cada edição no ar e o lucro equivalente a vale-coxinha. Mas é feita com amor, com paixão, com tesão de publicar tanta coisa incrível. Não tem dinheiro que pague a ansiedade de estar editando um conto fantástico para a próxima edição e querer logo que todo mundo leia.

Se não traz dinheiro, a Trasgo traz contatos e amigos, gente incrível que venho conhecendo neste um ano e alguns meses de revista. Escritores da nova geração e da velha guarda, todos com a mesma paixão pela literatura, a mesma vontade em escrever, publicar, colocar as ideias na roda. Pessoas tão fantásticas quanto suas obras.

Então caímos em uma outra questão. Sim, a vida de um editor é cheia de armadilhas, você estica de um lado e solta do outro. O problema do “clubinho”, de publicar sempre a mesma patotinha, que se fecha nos autores que se conhecem e nem abrem oportunidade para novos autores e ideias. Sobre isso, dois comentários de quem circula pelos bastidores: o autor que reclama disso tentou ser publicado? Editores costumam convidar autores para suas publicações, mas estão limitados àqueles que conhece ou ouviu falar (obviamente). Para um editor é uma grata surpresa receber um bom texto de um desconhecido.

Para evitar esse efeito, a Trasgo não repete autores dentro do mesmo ano e é sempre aberta a novos envios pelo site. Claro, recebemos muito mais contos do que podemos publicar (lembra do que falei sobre curadoria?), mas respondemos a todos os envios. Sei de outros editores que adorariam responder tudo com comentários, mas o volume de material recebido impede isso. A Trasgo costumava enviar respostas comentadas, mas com o aumento no volume de submissões, não conseguimos mais fazer isso para todos os contos.

Mantendo as portas sempre abertas, acredito que melhoramos muito a diversidade do material que recebemos. Falando em diversidade, esta é outra questão importante ao se editar uma revista. É preciso mais do que uma postura passiva, é preciso ir atrás da diversidade, convidar todo tipo de autoras e autores e buscar obras que sejam mais inclusivas. Por exemplo, desde o começo tento manter um equilíbrio entre mulheres e homens em cada edição. No entanto, o número de envio de contos por mulheres é menor, então muitas vezes acabo convidando autoras, para trazer outros pontos de vista.

Isso porque diversidade de gêneros é só uma das medidas inclusivas. Eu gostaria de trazer muito mais variedade à Trasgo. É preciso encontrar gente que escreva bem dentro destes temas, de preferência a partir de experiências próprias. (Isso, e rejeitar obras misóginas e preconceituosas, embora alguns detalhes não muito legais já tenham escapado e sido publicados por este editor em construção).

Editar a Trasgo é um processo de constante aprendizado, de como trazer os melhores contos em português a um número cada vez maior de leitores. Por isso gostaria de agradecer ao convite para escrever um pouco sobre a construção da revista neste espaço e pedir: passe no site www.trasgo.com.br, conheça essa revista de contos de ficção científica e fantasia feita com tanto carinho, que tem conquistado cada vez mais leitores e fãs.

 

Rodrigo van Kampen

Rodrigo van Kampen é o editor da Trasgo e escritor.

 

Texto publicado na edição 1 da revista Eels.

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